Umas gotas de história

A inveja, a covardia e a iniquidade são comportamentos e atitudes que nos acompanham desde os primórdios. Dos tempos míticos vem o clássico assassinato de Abel pelo irmão Caim, por motivos de inveja. Malgrado os milênios que nos separam e o desejo das pessoas de bem para que a bondade prevaleça, vemos que a ruindade se banalizou em nossos dias. Do noticiário só nos vêm imagens de crimes e mais crimes. Cada vez mais violentos, fúteis e hediondos. E parece que não há no horizonte sinais de que algo possa reprimir essa escalada do mal-querer.

Assim como a história da cristandade, com Caim e Abel, também a história de Goiás se assenta sobre um crime estarrecedor. Bartolomeu Bueno da Silva, o Segundo Anhanguera, gastou a vida e a fortuna da família com suas bandeiras, as expedições caríssimas e de alto risco pelo desconhecido sertão do Brasil-Central, em busca de ouro e outras riquezas minerais. Depois de longas e penosas viagens, em 1725, Anhanguera finalmente descobre os jazigos de ouro nos arredores das Serra Dourada e em mais quatro outros sítios. Pelos feitos extraordinários e pelas descobertas auspiciosas, D. João V, rei de Portugal, manda que o Governo de São Paulo entregue, por três gerações, como pagamento ao descobridor, as passagens dos rios de São Paulo até as minas dos Goyazes, as faixas de terras dos dois lados da longa trilha, as catas de melhores pintas, além da patente de Capitão e o cargo de Superintendente Geral das Minas. 

Na passagem dos rios o Anhanguera colocaria balsas e cobraria pedágios, nas terras faria lavouras e criaria gado, que seriam consumidos nas estalagens que construiria para acolher as pessoas que viajassem às minas. Das catas tiraria o ouro e ainda receberia o salário pela gestão da indústria garimpeira. Anhanguera, já um sexagenário, viu que sua luta não teria sido em vão. Finalmente chegara a sua vez.

Ledo engano. O governador de São Paulo, um certo Caldeira Pimentel, colocou criminosos de sua quadrilha para invadir e tomar os bens recebidos pelo Anhanguera. Tomou as passagens dos rios, as terras, as catas minerais. E quando o Anhanguera já estava bem cansado de lutar contra a quadrilha, o governador o destituiu do cargo, alegando que ele não tinha mais condições de gerir as minas. E para humilhá-lo concedeu o cargo de Guarda-mor da cidade de Goiás (que se chamava Arraial de N.S. de Santana) sem lhe dar um policial sequer para o cumprimento de suas funções. 

Para reclamar dos esbulhos sofridos, Anhanguera mandou a Portugal uma comitiva liderada pelo seu genro João Leite da Silva Ortiz (fundador de Belo-Horizonte e que dá nome a esse rio que banha Goiânia). Caldeira Pimentel, ardilosamente, plantou em sua comitiva um padre fajuto, de nome Matias da Silva Pinto, que matou João Leite envenenado com arsênico, em Recife, antes de pegar o navio para Lisboa. E ainda ajudou as autoridades do Recife a roubar os 26 kg de ouro que Ortiz levava para engraxar os desembargadores do Conselho Ultramarino. Pobre e desiludido, Anhanguera morreu em 1741, sem reaver os bens.     


(Publicada no jornal O Popular - Goiânia - Goiás em março de 2014)

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