Traições, Viagras e tiros dentro da noite - (Dos diários de Carla Cepollina)

Meus amigos nunca entenderam. Meus pais nunca aceitaram. Até bem pouco, eu mesma nunca chegara a compreender direito quais forças me arrastaram para o núcleo trágico da vida do Coronel Ubiratan.

Aparentemente não temos nada em comum: nasci de uma família bem estruturada, num bairro grã-fino; ele de uma família em ruínas, numa periferia lascada. Tive educação esmerada na Europa, ele se ralou na caserna. Nem à mesma geração nos pertencemos. Sou 23 anos mais jovem que ele. Nada temos a comungar, a não ser esta pulsão fatal e incontrolável pela tragédia.

Meu analista diz que fui atraída por ele em razão de sua aura de poder violento, que ele passou a empunhar depois que apagou tantas vidas de uma só vez. E o mesmo motivo que provocou a minha aproximação me levou a matá-lo, pois era como se eu tomasse para mim a força poderosa que nele eu via. Pode até ter uma certa lógica, mas não tem nada de verdadeiro.

Há mais mistérios entre o céu e a terra do que supõe a nossa vã filosofia, como disse Shakespeare, o bardo inglês, com muita propriedade. No fundo o que existe é um liame secreto e inquebrantável. Ocorre que, desde muito cedo eu soube que minha vida seria regida pelo número 11, que é a plenitude do 10+1, o transbordamento, a desmesura, o viver em seu teor máximo, no limite, na raia da ruptura, já alcançando a falha universal, entre o factível e o fugaz. Como a carne e a carniça: questão de tempero e tempo.
Agora há pouco, porém, numa pausa que construí no meio deste burburinho, peguei lápis e papel e levantei alguns dados sobre o Coronel Bira e eu nessa situação aberta em escâncaras. Pude constatar o que eu já desconfiava: que a vida dele, até mais que a minha, está toda entremeada pela exuberância do número 11.
Senão vejamos: Coronel Bira, como é tratado na intimidade, tem 11 letras. Nasceu no mês 04 do ano de 43, cuja soma dá 11. A marca maior de seus feitos são os 111 mortos sob seu comando, no episódio que ficou conhecido como a Chacina do Carandiru.
Vejam só: Seu crime foi enquadrado no Artigo 121 do Código Penal, que equivale ao número 11 em seu quadrado, ou seja, 11 x 11 = 121. Já o número 111 enseja a fatalidade numa combinação explosiva. É como se fosse um 11 entrelaçado com outro, com o algarismo 1 do meio a serviço de ambos os numerais, numa conexão nefasta de máximo grau. É a estricnina transcendente e multiplicativa que teve a capacidade de envenenar o número 6, o símbolo do Gênesis, elo entre o princípio divino e a manifestação física do mundo em seis dias, e convertê-lo malignamente no 666 ( 111 x 6 = 666), representativo da besta do Apocalipse, quando finalmente se manifestará a descrença de Deus, a depressão. Quando ocorrerá o desmoronamento escatológico de todas as forças de sustentação universal.
O tumulto que desaguou no Massacre do Carandiru foi iniciado pelos líderes de duas facções internas rivais. De um lado o “Barba” de outro o “Coelho”, cuja soma das letras dá 11. A situação fugiu do controle às 14 h e 51 m, em que a soma é 11. A invasão foi comandada por 1 coronel (Ubiratan) mais 325 soldados, números que tendo seus algarismos adidos redundam em 11. A hora provável do tiroteio foi às 18:20, que é igual a 11. O número de disparos contabilizado pela perícia foi de 515 (5+1+5=11). O massacre propriamente aconteceu no pavilhão 9, portão 2, um local conflagrado pelo número 11.
Livrou-se da prisão temporária, aguardando o julgamento em liberdade, pelos furos existentes na Medida Provisória 111, que se converteu na Lei 7.960 (7+9+6=22). O número 11 dobrado, com metástases de malefícios.
Seu julgamento pelo massacre começou no dia 20/06/2001, com a soma resultando em 11. No primeiro júri foi condenado a 632 anos de reclusão (6+3+2 = 11).
A frase mais emblemática que ele proferiu em sua própria defesa foi “Se minha intenção fosse matar, teriam morrido muito mais de 111”, que tem 11 palavras. Além do cabalismo numerológico, essa frase deixa transparecer a opressão da força maior a que fora submetido na realização de seu desatino.
Quando nos aproximamos, eu e Coronel Bira, fomos conduzidos pelas forças ocultas do número cabalístico, que é ao mesmo tempo divino e libidino, sacro e escroto. Nós nos conhecemos num evento militar em que eu representava minha mãe, no dia 01/07/2001, data que, somada em seus algarismos, resulta em 11. Ubiratan + Carla Cepovilla tem exatamente 22 letras que, divididas por dois titulares, dão a parcela de 11 para cada um. Inicialmente marcávamos nossos encontros no “clube de tiro”, que tem 11 letras.
Coronel Ubiratan tornou-se deputado sob o número 111 e integrou a temerosa “banca da bala”, que é constituído de 11 letras. Antes da celebridade alcançada com o massacre dos 111 no Carandiru, foi cavaleiro do Regimento da Cavalaria e o cavalo que montava era o de número 111. Foi enterrado na campa que tem o111 como número identificador, no dia 11 de setembro de 2006, no aniversário do ataque ao World Trade Center, que tem a forma de torres gêmeas, ou seja, um 11 gigante.
Essa coincidência de número 11 segue numa sucessão tão assombrosa quanto enfadonha. Com esta breve demonstração eu quis apenas dar uma pista de que nem o Coronel Bira nem eu temos qualquer culpa ou dolo em toda essa sucessão de tragédias. Tudo já estava desenhado pelos propósitos do além. Forças descomunais e irresistíveis impuseram as situações, apontaram as armas e premiram os gatilhos. Fomos instrumentos involuntários de desígnios insondáveis.
Quem tem um mínimo de cultura teosófica sabe que o número 11, e suas formas múltiplas, é o desequilibrador dos elementos constitutivos do universo, determinante de doenças e erros. É esse número cabal o símbolo da luta interior, da rebelião, do extravio, do pecado original, da revolta dos anjos, enfim.
Se nem os anjos, que são assessores diretos de Deus, puderam resistir a seus efeitos desagregadores e decaíram; se até o próprio Deus já avisou que sua obra física um dia quedará vencida por essa força funesta singular, como poderíamos nós, simples mortais, resistirmos à imposição desse império?
Saibam todos que, visto de um modo superficial e simplista, fui eu quem matou o Coronel Bira, quando ele disse que não ia mais desperdiçar Viagra comigo, que determinada fulana estava com tudo em cima e que fazia melhor e tal. Mas se olharem a realidade mais profunda, como deve ser, como rogo que façam, tanto o Coronel na realização do massacre, quanto eu no seu assassinato, não tivemos culpa nem dolo. Fomos, repito, instrumentos de uma danação de ordem superior, simbolizada pelo número 11, à qual ninguém é dado resistir. Agimos apenas e tão-somente no cumprimento de sentença de um litígio metafísico.

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